10/15/2009

Verborreia

Escrever.

Tudo vai sempre dar ao mesmo. Hamlet estava profundamente enganado, ou por outra: Shakespeare não sabia o que estava a dizer. A questão não tem nada a ver com ser ou não ser. Essa cena existencial é uma questiúncula de cacáracá. Qualquer criancinha precoce se depara com angústias dessas, coisitas que estão para a essência do sofrimento humano como a tesão do mijo para o sexo tântrico. Não. A única questão que realmente importa, a única que se põe é outra: Escrever ou não escrever. Isso sim, releva do mais profundo que há em nós, ou em mim, e desculpem-me os inúmeros e incontáveis, que eu sei bem que a esta hora já andam todos a cirandar por outras blogoparagens ou até mesmo quem sabe em webgaláxias distantes, desculpem-me, dizia eu, a presunção que a água benta acabou há que tempos e até mesmo a mineral está a rondar o fundo do garrafão, mas desculpem lá que nestas coisas sou muito autocentrada e se vocês não têm qualquer problema com a vossa escrita, ainda bem para vocês, pois já eu não posso dizer o mesmo, se é que me estão a acompanhar e se não estão paciência que eu agora também não tenho vagar para verificar se ainda estão aí ou se já clicaram para outra ligação mais amiga do utilizador.

Pois é. Admito que não seja fácil ser inúmero e incontável de uma calamitosa como eu. Aceito até que muitos de vós possais (há que respeitar a pessoa gramatical escolhida, ah pois é!) pensar a esta hora que eu já não voltava e até que tenhais (ah pois é, outra vez, isto tem que ir depressa senão não vai mas não quer dizer que me falhem as conjugações, que eu sou mecita muito bem ensinada e ainda me vai restando algo dos tempos do liceu graças a deus nosso senhor ou pelo menos à minha memória proverbial ) cagado de alto em mim, o que seria compreensível e até eu já teria feito o mesmo por muito menos e essa é que é essa.

Ah, ela voltou, dizem vocês, e talvez estejam certos (desculpem qualquer coisinha, mas aquilo da segunda pessoa do plural dá muito trabalho e eu que estou praqui há mais de não sei quantas semanas sem conseguir escrever uma linha que seja, quando me dá estes ataques tenho de aproveitar mesmo que para não dizer nada, quanto mais não seja para provar a mim própria que ainda sei dar porrada num teclado que nem bem um ano passou nas minhas mãozitas delicadas e já tem letras apagadas), sim talvez estejam certos (isto dos parêntesis dá um jeito do caraças, o Lobo Antunes é que a sabe toda e até os destaca noutros parágrafos que é pra a malta não se perder, que isto dos parágrafos dá um jeito do caraças e longe de indicar um mente hiperactiva ou mesmo algo dispersa é mas é de gajo arrumadinho, ou de gaja arrumadinha neste caso, que eu cá sou também assim muito arrumadinha por dentro, já por fora é que é o caos mas isso agora não interessa nada e isto dos parêntesis dá um jeito do caraças), se bem que eu já não sei bem se sou eu calamitosa que estou de volta e se é só um intervalo deste longo interregno - ou talvez antes um interregno deste longo intervalo, confesso que já estou a ficar algo confusa e bem sei que sou eu que me deixo levar por estes considerandos mas, que querem, é mais forte que eu e não sei se reparam mas agora optei pelos travessões em vez dos parêntesis, que é só para não enjoar - que me tem mantido afastada da blogosfera e não pensem que me esqueci que deixei uma posta pendurada. Não. Não me esqueci nem dessa nem de todas as outras que eu para além de ter um como grilo falante, também tenho memória de paquiderme, de modos que pesos-pesados é comigo mesmo, aliás a esta hora devo estar com 327 kilos, no mínimo.

Mas voltemos à vaca fria que neste caso é a "coisa", que não sei que nome lhe dê, a coisa que me acompanha desde há anos e que jurou dar cabo de mim mas eu é que vou dar cabo dela ou eu não me chame Calamity Jane o que, já que falo nisso, aproveito para esclarecer desde já aos que ainda pudessem andar por aqui ao engano é uma gigantesca fraude, uma falsidade, uma fantasia, vá, para não dizer uma espécie de eufemismo já que, e detesto desiludir os meus inúmeros e incontáveis ainda por cima quando ando há meses sem botar os dedos no teclado, mas a verdade é que eu não me chamo Calamity Jane (e prometo um dia desenvolver este tema, o que poderá acontecer amanhã ou daqui a cinco anos ou, quem sabe, algures entre as duas datas, mas uma coisa é certa, é que o irei desenvolver, e a posta não será decerto muito mais curta do que esta ou outras congéneres do género. Sim, eu reparei na redundância, mas se for propositada, pode ser que passe por um exercício de estilo. Ou não?)

Agora a coisa sim, é real, e anda aqui desde que me lembro de ser gente pois antes mesmo de escrever já escrevia porque nisto de esccrever há algo que convém deixar bem claro: nunca se pára de escrever. Vocês é que não vêem. Pior ainda. Ninguém vê, nem eu. Porque na hora da verdade, não há registo que prove que estive a escrever ininterruptamente durante todo este tempo. Que escrevo incessantemente, não só desde manhã até à noite, não só desde que acordo até que adormeço mas também durante o sono e até, ouso dizê-lo, noutras dimensões, que visito numa para-existência de que só alguns se apercebem mas que não me darei aqui ao trabalho de provar. Só que, lá está não tenho alibi. E refiro-me à primeira afirmação, já que a segunda não tem qualquer interesse científico.

E por isso vos digo, inúmeros e incontáveis, e podeis se assim o quiserdes, ou porventura achardes adequado, iniciar as diligências necessárias ao meu internamento em unidade psiquiátrica, mas a coisa está, por assim dizer, em cima de mim a toda a hora. É algo que os entendidos não hesitariam em chamar encosto. Não me dá descanso, mas também não me dá forçosamente o que fazer, se é que me entendem. Simplesmente, pegou-se a mim, como uma lapa, como um cão, como uma carraça que nem sempre dá febre, mas que se alimenta de mim e que, por vezes, me dá umas borlas. Como agora. E eu vou lá e pimba. Dou-lhe. Com força, com alma, com parcimónia, com delicadeza, com garra, com medo, com hesitações, com censura, com as mãos, com o que for. Porque a coisa só se dá se calha a ser a hora certa, aquela em que me encontro à mão de ela me poder usar como instrumento da sua vontade, pois é apenas isso que eu sou. Um canal. Um joguete, um par de mãos, de dedos que podem ou não estar em medida de transpor para o teclado ou para o papel o que for para ser escrito.E dou por mim a penar, meses e meses a fio, em busca de uma frase, de uma palavra, de uma simples ideia, de um verso ou cor ou momento ou simples frémito que me apeteça partilhar, que faça sentido lançar para o universo. Mas entretanto a dita coisa vai ditando, dita sempre, sem parar, frases e frases e frases e frases, numa ditadura da palavra inesgotável, um rio tortuoso, tormentoso, de águas violentas, cataratas verbais sem fim. Uma velha chata que ninguém consegue calar. Ela mora dentro do meu cérebro e a toda hora dita dita dita dita dita. E eu que sim, que sim, que já lá vou. Que sim, que estou a ouvir e que já lá vou escrever, não claro que não me vou esquecer. Vou escrever tudo direitinho, igualzinho ao que ela disse, tudinho ali, preto no branco, ipsis verbis, pois está claro. Está claro que não vou escrever coisa nenhuma e tudo o vento leva ou se não é o vento outra coisa será, que importa agora saber o que foi, quem foi. Não tenho alibi, lá está.

Ah pois é. Escrever ou não escrever, eis a verdadeira, a única, a derradeira questão. Porque afinal, se eu não escrever, quem sou?
E se eu escrever? Quem serei? Serei outra? Serei a mesma? Voltarei a ser quem era? Transformar-me-ei noutra? Estarei à altura daquilo que escrevi? Conseguirei escrever o que escrevi?

E eis se não quando, pimba, dou por mim a escrever de novo. A escrever. Estarei eu mesmo a escrever? Ou será ela, a coisa, a escrever e eu a ver? De repente, há um enredo, ideias, coisas para dizer. Palavras, sempre as mesmas, nunca suficientes. Palavras, simples casamentos de vogais e consoantes, letrinhas apenas, finitas e incompetentes.
E eu, ingrata, que nunca lhes presto o tributo merecido. Pois que seria eu? Que seria de mim?

E eis se não quando, aqui estou eu, escrevendo, calamitosamente. Escrevendo e duvidando. Escrevendo e questionando. Escrevendo e achando que é sempre o mesmo. Se eu escrever um livro, estarei eu a escrever o meu livro? Serei eu a escrevê-lo? Não estarei eu a escrever o que já outros escreveram antes? Como posso saber? Não estarei eu a escrever sempre o mesmo livro? (E os outros, os que escrevem, alguns deles, os livros que eu escrevi, que eu escrevo? Estarão eles também sempre a escrever o mesmo livro? E, se sim, será o mesmo que o meu? Interrogar-se-ão eles sobre isto? Escreverão eles sobre isto?)

E é por isso que digo, ou melhor, escrevo: ser ou não ser não tem importância nenhuma. Escrever ou não escrever, essa é que é a questão.






10/06/2009

Ao comércio em geral

e aos retalhistas (gostaram?) de roupa interior - vulgo lingerie - em particular.

Eu pensava que tinha sido bem explícita. Mas parece que não. Por isso talvez seja melhor repetir, mais alto e com todas as letras:


EU QUERO SOUTIENS

SEM ENCHUMAÇOS!!!


Será assim tão difícil de entender???