6/30/2009

Ando

com os cornos no ar, como costuma dizer o meu pai. Quando os poisar passo por aqui com mais vagar, sim?

6/22/2009

O atum


(aviso à navegação: este texto foi escrito em Novembro de 2008, pelo que algumas passagens já se encontram desactualizadas)


Se há coisa com que a maior parte dos seres humanos tem dificuldade em lidar é com a rejeição. Não importa se a rejeição é real ou não, o que importa é que se sente rejeitado. E como se sente rejeitado, reaje, quer essa reacção seja enfiar-se para um canto remoendo todos os complexos da sua vida presente passada e futura, ou espernear alto e bom som mostrando o seu (res)sentimento e expondo assim um dos aspectos mais frágeis mas mais democráticos da condição que todos partilhamos.

E se se sente rejeitado, é porque somos todos protagonistas do nosso próprio filme. Por mais modestos e discretos que possamos ser, o mundo gira à nossa volta, porque somos o centro do nosso mundo. Nada mais óbvio. E quem disser o contrário é porque mente. Agora mesmo, entre os meus inúmeros e incontáveis, haverá certamente (mas é que de certezinha absoluta) quem esteja neste preciso instante a pensar: "Isto é comigo". Não importa o motivo. A verdade é que isto não é contigo. Não, não é. A verdade é que nem me lembrei de ti: outra questão melindrosa para a maior parte de nós. Para alguns será ainda pior. Não existir face ao outro. Os brasucas dizem, com alguma piada: "Falem mal, mas falem de mim!" Outra vez o protagonista a falar. Ser rejeitado implica que os outros combinaram todos qualquer coisa e que deliberadamente me deixaram de fora. Outra coisa é terem-se pura e simplesmente esquecido de mim. Mas não era da sensação de ser ignorado que queria falar aqui hoje. Vinha, sim, falar de rejeição. Algo próximo, sim. Por vezes coincidente até. Mas não igual. Porque na rejeição existe uma carga negativa, enquanto que a sensação de ser ignorado implica uma carga neutra. Digamos que no último caso seríamos um neutrão - o que não deixa de ser uma coisa com algum poder, uma vez que em tempos até fabricaram uma bomba com eles, a bomba de neutrões. Enquanto que no primeiro seríamos um electrão - e como toda a gente sabe não existe nada mais insignificante que um electrão*, deslocando-se aleatoriamente em torno de um núcleo, que invariavelmente é aquela gaja loira, alta e vistosa, que não tem um neurónio em contacto com outro dentro do cérebro e que afirma a pés juntos que a Rússia é visivel a olho nu a partir do Alasca ou wathever. Ela é que é a presidente da junta. Nós somos um simples electrão. Sermos rejeitados, ou acharmos que fomos, o que no nosso próprio filme, que vemos e revemos sentados sozinhos no sofá da sala enquanto toda a gente dorme - ou, pior ainda, enquanto toda a gente vê o outro filme, aquele dos óscares de que todos falam mas que ninguém nos convidou para ver - o que no nosso próprio filme vai dar no mesmo, é, provavelmente, das piores coisinhas que podem acontecer-nos, para além, claro, de sermos apanhados pelo vizinho de cima a pôr o lixo no contentor de pantufas e t-shirt rota. Aquela sensação de termos sido postos de parte. De não termos, para outra pessoa, a importância que esta tem para nós. De termos sido desvalorizados, tipo taxa euribor depois de uma injecção de capital. Existe em cada um de nós um adolescente borbulhento, de cabelo oleoso e óculos de fundo de garrafa. Um Adrian Mole, sentindo-se como "um atum nadando num mar de descontentamento", como tão bem exprimia este anti-herói daqueles de nós que tiveram 13 anos nos anos oitenta (sim, escusam de me lembrar que isso é uma espécie em vias de extinção, até porque 30% estão presos por tráfico e consumo de estupefacientes, um terço anda às voltas a tentar determinar a sua sexualidade, outro ainda não saíu de casa dos pais e os que sobram estão no governo sendo ainda que cerca de 10% reúnem todas as condições acima descritas mas, como diria a Teresa Guilherme, isso agora não interessa nada menina, e aliás para falar verdade já não sei bem aquilo que interessa agora mas também verdade seja que não estou sozinha, sou eu, a bancada parlamentar do PS, o Nuno Santos, o José Manuel Fernandes, o ... ah, espera! Falávamos de rejeição e não de inconsequência, portanto os meninos terão de ficar para outra posta, ok? Sei que me perdoarão e não se sentirão puto rejeitados até porque nem se lembram que eu existo mas, não sei porquê, estou-me rigorosamente a cagar, o que não deixa de ser estranho porque tenho grandes dificuldade em lidar com a sensação de ser ignorada o que, como já expliquei anteriormente, é parecido, mas não igual a ser rejeitado, mas adiante, que o tempo ruge, como dizia o outro, e estes senhores têm de se ir embora, isto se a esta hora não foram já).

E se se sente rejeitado é provavelmente porque não presta. e aqui entra em jogo a outra variável da equação: a insegurança/culpa. Porque, afinal de contas vai tudo dar no mesmo. Ou sou rejeitado porque intrinsecamente não valho nada, ou sou rejeitado porque fiz algo de terrível, embora não me consiga agora assim de repente lembrar o que foi e mais tarde ou mais cedo toda a gente vai descobrir e nunca mais voltarei a sentir-me acolhido, acarinhado e aceite pelos meus pares que por esta hora, diga-se de passagem, já passaram a ímpares e estão todos algures a rir-se de mim nas minhas costas enquanto eu me mortifico sozinho, para todo o sempre isolado e desgraçado, enfrentando os meus fantasmas e e ruminando as minhas culpas com imensa pena de mim próprio.

Imaginemos aquela clássica situação em que gostamos de alguém mas não sabemos se somos correspondidos. Até podemos ter todos os motivos e mais um, reais e palpáveis, para acreditar que o somos. Mas se por algum motivo, a outra pessoa faz alguma coisa que não seja declarar-se a nós de forma inequívoca pedindo-nos em casamento de joelhos no chão e aliança de brilhantes em riste, se porventura a pessoa, por timidez ou desconforto, por obrigação profissional ou qualquer outra contingência da vida, não está LÁ NO MOMENTO ESPERADO, não olha para nós quando imaginávamos que o poderia fazer, não telefona ou não responde imediatamente ao nosso espirituoso sms, ou nos dá um qualquer feedback que para nós soa a inadequado e pimba! Lá está a puta da insegurança a atacar e o nosso atum a vir ao de cima. Vês! Vês! eu bem te dizia! Quem nasceu para atum nunca chegará a tubarão. Ele/ela odeia-te. Não se está mesmo a ver???

A questão é simples: somos atuns, remetidos para uma reles lata de conserva que poderá ficar eternamente esquecida numa prateleira do minipreço até que o repositor se lembre e se aperceba de que a validade foi ultrapassada há meses e nos coloque no sítio onde afinal pertencemos, i.e. o contentor do lixo pois, afinal, se todos os outros peixes do oceano estão numa festa para a qual não fomos convidados é evidentemente porque merecemos a nossa condição de peixe fora do cardume. A metáfora da festa, aliás, é da maior utilidade para ajudar a compreender a diferença entre ser ignorado e ser rejeitado: ignorado é o peixe convidado para a festa mas que passa a festa toda sem se divertir porque não se aproxima de ninguém e, como simplesmente não existe, ninguém dá pela sua presença. Rejeitado, é o atum que deliberadamente não foi convidado para a festa, que sabe que a festa está a decorrer e que fica toda a noite a carpir as suas mágoas, quiçá a encher-se de drogas ou de pornografia, o que na verdade vai dar no mesmo, mas afinal, a vida não passa de uma eterna pescadinha de rabo na boca, o que mesmo assim é melhor do que ser atum, pois a esse falta-lhe a elasticidade necessária e em última análise, até ser sardinha teria vantagens já que essas, ao menos, sempre são ricas em ómega 3, o que lhes vai permitindo mais não seja por agora ser consideradas um dos peixes mais in que há. Terão também elas, tal como o atum, tempo para regressarem à prateleira de espécie chinfrim, para não dizer altamente parola, mas isso ficará para outras postas, passe a redundância da figura de estilo, por esta altura já promovida a alegoria.

Regressando ao peixe frio (já que a vaca ficaria aqui, espero que concordem, inúmeros e incontáveis, totalmente inadequada) - a questão da insegurança e da culpabilidade - , a conclusão resume-se com alguma brevidade - sim, eu sei que vocês não acreditam, inúmeros e incontáveis que porventura possam ter chegado até aqui, o que, admito, é tão provável como eu agora receber um telefonema a dizer que herdei um milhão de euros. A conclusão, dizia eu, é a seguinte:

Um. Fui rejeitado. É inegável. Aliás, foi uma atitude concertada, consciente e propositada.
Dois. Se o fui, é porque o mereço.
Três. Mereço-o porque
a) não presto por natureza: sou feio, burro, velho de mais, novo de mais, loiro de mais, loiro de menos, não tenho dinheiro, não tenho um moleskine, não fui ver a Madonna, não sabia que a Madonna se tinha divorciado, não vi o Portugal-Suécia nem o Portugal-Albânia, não tenho Ipod, nunca fui a Nova Iorque, não sei falar alemão, não tenho cão, não caço com gato, não sei fazer tricot, não sei bordar o nome dos meus filhos nas fraldas de pano, não aspiro o carro desde março de 2006.
b) não presto porque fiz qualquer coisa de muito, muito grave mas não consigo absolutamente lembrar-me do que foi. Mas de certeza que fiz, mesmo que tenha sido inconscientemente. Na verdade eu até consigo imaginar uma série de coisas que possam estar por detrás disto mas não posso de maneira alguma arriscar perguntar se foi isto ou aquilo porque, e estas são cumulativas: primeiro nunca ninguém irá admitir ter-me rejeitado in the first place, mas mesmo que tal pudesse acontecer eu não iria correr o risco de fornecer a quem me está a rejeitar mais um motivo para o fazer, uma vez que existe sempre a possibilidade de o motivo ser outro que não aquele que eu estou a pensar. E agora estou condenado à perene rejeição. Afinal, é como dizem os árabes (ou serão os chineses?):
"Bate-lhes, bate-lhes, porque mesmo que não saibas porque lhes estás a bater, eles (elas) sabem sempre porque estão a levar"...

* este raciocínio é uma total contradição em termos mas mais importante do que fazer sentido é exprimir-nos num determinado momento, e fazê-lo com convicção, mesmo que estejamos a dizer o maior disparate do mundo. Afinal de contas, se ela pode, porque não hei-de eu poder? E se isso lhe dá audiências, quanto mais não seja no youtube talvez mas dê na vida. A vida, afinal, não passa de uma eterna pescadinha de rabo na boca. Quais atum?!

6/18/2009

Sonho de uma tarde de Verão

Ali estava ele a olhar para mim e a sorrir, como se já me estivesse a observar há algum tempo. Senti-me apanhada, frágil, despida. Perguntou-me como estava. Menti que estava tudo bem. Não foi na conversa. E tornou a perguntar, mergulhando o olhar no meu, cutucando as lágrimas que imediatamente saltaram, lestas, obedientes. Admiti o que já sabias. Disse-te a verdade, mas só em parte. Para quê alongar-me sobre o resto? O que não se diz é o que importa, claro. Mas talvez não o queiras saber. Às vezes penso que o sabes tão bem como eu e que tudo o que eu penso, os nós internos dos meus neurónios às turras com as hormonas e os sinais que leio no mundo e me vão dizendo coisas que quero interpretar a meu favor (?) corresponde ao que se passa aí desse lado, nessa cabeça de homem tão crescida dentro de um coração de menino. Adivinho-te transparente, tão igual a mim que optas por evitar o prolongar do instante, por receio do dia em que o silêncio nos embaraçar os sentidos. Logo a seguir admoesto os meus devaneios insensatos e repito a mim própria que devia dar mais uso ao comando que zappa as minhas fantasias. Puff! E sai uma comédia romântica com final feliz.
Pelo sim pelo não, absorvi-te o abraço. Meti-o no carro e levei-o comigo. Mergulhei-o nas ondas cálidas, alimentei-o de luz, de areia fresca e de búzios. Daqueles raros, espirais compridas e rosadas. Intermináveis e belíssimas, como a tarde. Um dia assim só pode ser uma dádiva dos deuses. Agradeci à vida. Abençoei o Sol. Beijei o oceano. Fundi-me com os elementos. Colhi as suas carícias. Entreguei-me. Renasci.

À saída da praia, o António Sérgio presenteou-me com Lloyd Cole, Jimmy Hendrix, Prince, GNR, Clash. Um duo português que não conhecia sagrou o blues como hino universal dos ocasos de verão. No meu coração Billie Holliday arrastava o Tejo, languidamente: "Summer time, and living is easy, fishs are jumping, and the cotton is high...".

Mas agora que acordei, é Sérgio Godinho que me canta baixinho ao ouvido: "Às vezes o amor..."

6/04/2009

Já começa a cheirar mal

a conversa do "é difícil despedir em Portugal" com que nos vêm invariavelmente buzinar aos ouvidos a cada que se fala na praga dos recibos verdes e na precariedade laboral neste triste paraíso à beira-mar plantado. Estes senhores que insistem em justificar o injustificável poderiam ao menos dar-se ao trabalho de rever a matéria e servir-nos outro aperitivo para tentar fazer-nos engolir a maçã envenenada que ainda por cima há tanto perdeu o brilho que até já toda a gente consegue ver que está para lá de podre.
Isto a propósito de alguns comentários no artigo do Público que hoje destaca a reportagem publicada no francês Le Monde na qual os recibos do nosso descontentamento foram designados como "gangrena". Como disse mais acima já não há pachorra para este paleio do "é dificil despedir". Difícil de despedir é esta corja de empresários e o governo que lhes dá cobertura. Difícil de despedir é esta mentalidade tacanha, mesquinha e redutora. Dificil de despedir é esta gente que acha que há pessoas de primeira e outras de segunda. Porque defender a precariedade é defender a desigualdade.
Quanto a mim, despeçam-nos a todos já!

6/01/2009

Vem aí mais uma capicua histórica

e esta vai agradar particularmente à minha querida Estrelinha. Trata-se da visita 22022. Queres tentar agarrá-la, miúda?