6/15/2007

Même (ou seja, palavras à mesma...)

Há uns tempos fiquei de publicar aqui uns mêmes. De modos que aqui vai o primeiro. Assim que puder outros seguirão. Aproveito para explicar que "um 'même' é um 'gen ou gene cultural' que envolve algum conhecimento que passas a outros contemporâneos ou a teus descendentes. Os mêmes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma. Simplificando: é um comentário, uma frase, uma ideia que rapidamente é propagada pela Web, usualmente por meio de blogues. O neologismo 'mêmes' foi criado por Richard Dawkins dada a sua semelhança fonética com o termo 'genes'". E como não sou de furtar texto alheio sem dizer água vai, especifico que retirei esta explicação, palavra por palavra, do post da Amélia sobre o assunto, no qual a própria me encomendou o mesmo (même, está claro). Dito isto, convém também referir que a minha Estrelinha também me endereçou a mesma encomenda - ou, como diriam os franceses, même commande. Ah, pois é! E por falar em franceses, acrescento ainda que acrescentei (haha, um pleonasmo calha sempre bem, sobretudo quando é propositado, não acham, inúmeros e incontáveis?) um acentozito circunflexo à palavra même, que me tinha sido servida sem o mesmo (acento, pois), mas cuja nudez me causou desconforto. De modos que tive de meter pitada. É que eu sou da geração pré-sms e aprendi francês, além de piano. A vossa Calamity é uma mecita prendada, a bem dizer...

E pronto, sem mais demoras, aqui vai, pois, o primeiro dos meus mêmes


As Crianças

(...) Os vossos filhos não são vossos filhos...
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma
Vêm através de vós, mas não de vós
E embora vivam convosco, não vos pertencem
Podeis dar-lhes o vosso amor, mas não as vossas ideias
Pois eles possuem as suas próprias ideias
Podeis abrigar os seus corpos, mas não as suas almas
Pois as suas almas habitam nas moradas do amanhã
que nem nos vossos sonhos podeis visitar
Podeis esforçar-vos para vos tornardes como eles
mas não procureis torná-los como vós
Pois a vida não anda para trás nem no ontem se detém.
Vós sois os arcos dos quais, como flechas vivas, os vossos filhos serão lançados
O Arqueiro vê a presa no percurso do infinito e empresta-vos o seu poder para que as vossas flechas partam ligeiras e cheguem longe
Que a vossa inflexão pela mão do arqueiro se destine à alegria
Pois assim como ele ama a flecha que voa
Ama também o arco que se mantém estável.


Claro que este même não é meu. Usurpei-o. Foi escrito pelo fabulástico poeta Khalil Gibran, que no século XIX viveu no Líbano, se não estou em erro, e deu à luz, entre outros, um livro pleno de senso comum transformado em hino à vida chamado O Profeta, de onde este "As Crianças" foi retirado. Tomei a liberdade de alterar ligeiramente as traduções que encontrei na net que não correspondiam totalmente ao texto que conheço originalmente noutras línguas

Mais palavras

Palavra que gostava de escrever mais palavras.
Palavras que me aliviassem do peso com que as palavras armazenadas me esmagam.
Palavras que desatassem o nó com que as palavras engasgadas me sufocam.
Palavras que fluíssem como o rio de palavras no qual ora me banho, ora me afogo.
Palavras que suavizassem a aspereza das palavras que por vezes me assaltam.
Palavras que jorrassem como a torrente de palavras que nunca alcanço, que desmoronassem da cordilheira de palavras que se amontoaram, uma a uma, na interminável torre de babel que fui construindo em mim, palavras que lutam corpo a corpo, se enroscam, se estrangulam, se matam e se criam numa dança infinita que me consome os neurónios.
Como podem tantas palavras caber num espaço tão diminuto? Como posso eu vertê-las diariamente e elas teimarem em brotar a cada minuto que passa? Como posso eu dar-lhes uso, forma e sentido se elas têm vida própria? Se fizeram da minha mente um labirinto no qual procuro uma saída desde a origem dos tempos até ao fim da eternidade? Se me invadem o cérebro e se recusam a seguir o caminho que lhes aponto? Se surgem por geração espontânea como uma praga incontrolável? Se teimam em comportar-se como ervas daninhas e ainda por cima vestem pétalas e cores das mais sedutoras e mortíferas plantas carnívoras disfarçadas de flores?
Palavra que gostava de escrever mais palavras. Palavra...

6/05/2007

Palavras

Todos os dias escrevo. Todos os dias escrevo para viver, para sobreviver.
Escrevo por prazer, por dever, por necessidade.
Escrevo porque escrever é a minha profissão, o meu ofício, o meu vício, a minha perdição.
Escrevo depressa ou devagar, com gosto ou para despachar.
Escrevo porque é preciso e porque tem de ser.
Gosto das palavras e elas retribuem-me o gosto. E, no entanto, odeiam-me, matam-me, maltratam-me.
Torturam-me.
Chegam-me em catadupa e desertam-me subitamente. Amantes inconstantes.
Escrevo-as e elas escrevem-me. Descrevem-me.
Eu cubro-as e descubro-as.
Distribuo-as, espalho-as e espalho-me. E elas tapam-me e destapam-me.
Escondo-me por detrás delas e elas... elas despem-me e expõem-me. Escancaram-me.
Gosto de brincar com as palavras e elas conhecem os jogos todos. E deixam-me pensar que sou eu que jogo com elas, quando na verdade são elas que me têm na mão. Cativa.
Claro, elas é que brincam comigo. Às escondidas, à cabra-cega. E eu pingue pongue, matraquilhos: vai para ali, foge para aqui. Ah, estás aí?! Então não podes estar acolá. Anda, mexe-te. Salta, dá uma cambalhota, transforma-te, transfigura-te.
Advérbios, adjectivos. Verbos transitivos, intransitivos. Intransigentes. Proximidade proibitiva, rima inconveniente. Sinonimiza, pá, relativiza-te. Encontra alternativa. Descobre, procura, reflecte, dá a volta, muda o tom.
Descritivo? Interrogativo.
Discurso. Diz?
Directo, indirecto. Livre. Livre? Liberdade de expressão, ilusão. A palavra é uma prisão. Uma paixão.
Escrevo por gosto, por obrigação. Todos os dias, cada vez mais, por tudo por nada. Gasto as palavras e elas sobram-me. Paradoxo? Sacerdócio.
Por isso, arranjei este blog, para despejar mais palavras. As que não uso, que desperdiço. As que não sei onde pôr. Quando resolvi criá-lo, ao blog, foi porque me dei conta que precisava de arrumar as palavras espalhadas aos molhos na minha mente, no meu íntimo. As que repito, incessantemente para mim própria, à exaustão. As que me atravessam o espírito. As que surgem, fugidias. Esquivas. Ariscas.
Fazem de mim gato-sapato e eu a pensar que as ponho na ordem. Qual ordem?
E dou por mim a precisar de andar com o blog no bolso. Os melhores posts, escrevo-os dentro da cabeça. Na paragem de autocarro, na casa-de-banho. Ao pequeno-almoço, dentro da caneca de café com leite. Brainstorming inconsequente.
Passo os dias a escrever e o que quero escrever não escrevo. Todos os dias posto, mas vocês não lêem. São posts perdidos, desperdiçados, lost in space. Palavras que nunca escreverei. Será que não?
Para que me servem os caderninhos?
Sou preguiçosa, demasiado preguiçosa. Tempus fugit. Os romanos eram loucos, mas eles é que sabiam. Em latim, língua morta, exprimiram uma das grandes verdades da vida.
O que andas tu a fazer da tua, Calamity?

6/01/2007

O grande salto epistemológico provocado pela leitora de nome Ana Paula (Olá, Ana Paula!)

Que estranho é pensar que há pessoas que nos lêem e que a gente não conhece! Pronto! - pensam os meus inúmeros e incontáveis - passou-se! E não é da própria essência da blogosfera sermos lidos(as) por pessoas que não conhecemos? Que não nos conhecem? Aliás, coisa bizarra para se pensar quando se faz profissão da palavra escrita e se é inevitavelmente lida por numerosos (aqui sim, inúmeros e incontáveis) leitores- passe a redundância.
Mas o ser pensante é por vezes assaltado por ideias esquisitas e aqui a vossa Calamity não prima pela normalidade. E foi precisamente o que me aconteceu quando me apercebi que era lida por uma blogueira de tasco privativo, de seu nome Ana Paula, que para mais foi brindada por alvíssaras dado ter sido a leitora nº 5 mil deste estabelecimento. Dei por mim a pensar: "Olha, uma blogogaija que não conheço! E que não está aqui pela primeira vez, já que confessa gostar de me ler. Xa-me cá ver o estaminé dela...". Pois. "A ligação html que acaba de digitar pertence a um tasco cibernético de carácter privativo, pelo que só com internáutico convite poderá aceder aos seus mui particulares interstícios e meandros"...
E eis senão quando a vossa Calamity dá por si tendo este brilhante pensamento: "Olha, olha, a gaija lê-me, e eu não a conheço!"
Claro que logo a seguir um dos meus alteregos, um dos grilinhos que com frequência irregular me chama à razão vira-se para mim e diz-me: "Oublá oh minha grandecíssimima desmiolada! Atão tu não bês que a maior parte das pessoas que te lêem são de ti totalmente desconhecidas?! Para que queres tu os neuroniozitos? Não sabes tu que os respectivos têm por função estabelecer sinapses? Que parte das ligações cerebrais te terá, porventura, escapado?"
E de imediato a vossa Calamity contrapõe ao censurante mecanismo do seu superego argumentando: "Pois". Assim só: pois. Mas logo de seguida, e não contente com a pobreza intelectual de tal argumento, a brilhante pensadora que por vezes toma o lugar da vossa Calamity ultrapassou o momento de bloqueio epistemológico e rebateu: "Pois. Mas julgava eu que todos os meus inúmeros e incontáveis leitores desse lugar de troca que é a blogosfera deixavam, num momento ou noutro, o seu rasto sob a forma de um comentário, a não ser que não passassem de meros viantantes cibernéticos, daqueles que cá vêm parar por aleatória ligação e, não encontrando neste tasco qualquer motivo de permanência, se eclipsam para não mais voltar". Ou seja, ao deixarem inevitavelmente assinatura blogosférica, permitiriam sempre, mais tarde ou mais cedo, que eu os CONHECESSE (Sim, inúmeros e incontáveis, admito que este conceito de CONHECIMENTO seja discutível estou pronta para argumentá-lo convosco se assim o entenderem...) "Julgava eu que assim era", pensou a vossa humilde Calamity, num daqueles raros momentos de discernimento. E afinal, eles existem. Os inúmeros e incontáveis silenciosos, digo. Que por cá passaram mais de uma vez. Que até gostaram do que leram. Mas, por algum motivo, não se pronunciaram. Até que uma posta de delirante apelo à participação popular, tal referendo blogosférico os (a, neste caso) levou a deixar pegada.
Espanto. Afinal, eles existem. Haverá outros? Pensava que os leitores silenciosos se limitavam às páginas físicas dos jornais, revistas e livros. Que se moviam tão sómente pelos registos escritos próprios da antiquíssima galáxia de Guttenberg. E confesso que esta descoberta me deixou introspectiva. Reflexiva. Pronta para um salto paradigmático. E agora? Que revelações ainda me reservará este mundo fascinante da blogosfera? Hein????