9/11/2006

Há cinco anos...


Há cinco anos todos nós vimos na televisão. Não conseguíamos despregar os olhos daquelas imagens. Vimo-las dez, vinte, cem, mil vezes. Como se estivéssemos viciados nelas. De vista esbugalhada. De coração esbugalhado. No dia seguinte acordámos e ligámos a televisão de novo. Para ver se era mesmo verdade. Se não teríamos sonhado.

Ontem à noite (e antes disso, na 2) passaram vários documentários, entre outros aquele sobre o Homem em Plena Queda (The Falling Man). A famosa foto de Richard Drew que chocou tanta gente, que originou uma pesquisa, a qual deu resultados espantosos. Não interessa concluir sobre a identidade deste homem, cuja posição extraordinária ainda hoje me deixa perplexa: além de levar a cabeça para baixo, tem a perna direita flectida, como quem estivesse encostado a uma parede, a ver o tempo passar. Quando na verdade, é ele que passa pelo tempo à velocidade estonteante de uma morte, a morte mais mediática do onze de setembro. A morte que todos viram mas que ninguém viu, pois acredito que ele ainda estava vivo neste momento da queda.
Não interessa se era o tal do Jonathan Briley, cuja irmã deu um depoimento que deveria ser ouvido por todos, uma lição de vida e de serenidade. Ou se era o outro "suspeito", cuja família, de tão crente, se teria desmoronado se viesse a confirmar-se ser de facto ele o "suicida". Porque para eles (para elas) era a heresia suprema. Que o pai e marido pudesse ter decidido acabar depressa com tudo aquilo. Que tivesse dado aquele vôo. Estaria para elas condenado para sempre às chamas do inferno (e o que seria aquilo lá em cima? Uma sauna? Um solário?) se acaso tivesse cometido aquele crime aos olhos de deus.
Pois se houver deus, se houver Deus que mereça maiúscula, este e os outros "jumpers" do onze de setembro foram direitinhos para o paraíso. Straight to heaven. Pois aquilo, sim, foi um acto de suprema coragem. Tanta quanta a dos bombeiros que subiram quando todos os outros desciam.
E também um acto de suprema fé. Pois algures dentro do desespero inimaginável existiu um lampejo de esperança num milagre que os salvasse. "Talvez, talvez eu possa voar. Talvez, talvez haja um deus que me salve, que me ampare nesta queda, que a transforme em vôo".
E se Deus houve, Deus o(s) salvou. E ele voou para a eternidade.

15 comentários:

125_azul disse...

Maravilhoso! Pensei exactamente isso quando vi o documentário e comparei a histeria da família católica hispanica com a serenidade da irmã negra metodista. Há deuses e deuses...
Beijinhos, parabéns pelo magnífico texto

L de Luis disse...

Quando se escreve "à flôr da pele" dá nisto arepia-nos a todos.
Ontem passei a tarde toda pregado a um documentário sobre o dia-a-dia de um jovem bombeiro que curiosamente incorporou o posto de bombeiros mais próximo do WTC meses antes do 11 Set.Durante esse periodo até ao 11 Sete. nenhum incêndio aconteceu e entre os bombeiros diz-se que quando nada acontece algo de terrível estará para acontecer. E assim foi.
Os dois documentaristas (irmãos) captaram imagens desse mesmo dia e acompanharam os bombeiros daquela corporação no interior do WTC.
A tenacidade a coragem, a bravura daquelas homens não é mera ficção nem exagero foi a pura realidade.
Todos os 50 bombeiros daquela corporação escaparam ilesos como que por milagre.
Os dois jornalistas tb.
Se puderem não deixem de ver.

. disse...

Adorei o teu texto, sabes, CJ. Mais do que o acontecimento em si, são as imagens, os simbolismos, tudo aquilo que o 11 de Setembro implicou. Tornou-se o 11 de Setembro. Sem datas. Todos saberemos sempre qual foi esse dia. E, no entanto, todos os dias há explosões, bombas, armadilhas, mortes, suicidas, inocentes, crianças. E, no entanto, tudo nos parece banal. E, no entanto, fica-nos mais depressa na retina e na alma um atentado em directo (como disse e muito bem o Rogeiro, a propósito dos EUA) ou um atentado europeu. São maiores? Têm mais peso? São mais raros? Não sei. Sei que as imagens que nos sobram das torres a arder, fazem-nos sempre imaginar todos os rostos aflitos que ainda estavam ali dentro, vivos. Os voos, como lhes chamas, acto de puro desespero ou de coragem suprema são as que mais chocam, pela sua crueldade. Pela grandiosidade. Pela nossa pequenez perante tudo isto.

. disse...

Perdão por algumas imprecisões gramaticais. :)

Mae Frenética disse...

Amén...
(verdadeiramente...)

Zuza disse...

;)

Ck in UK disse...

Oh Mori, atao nao me consegues deixar comentarios? ja tentaste mesmo pelo haloscan? e q nao mudei nada no site....
em relacao ao 11 de setembro, nem sei q te diga. lembro-me perfeitamente da sequencia de eventos da minha vida nesse dia...

Caracoleta disse...

Este teu fantástico texto arrepiou-me!

125_azul disse...

Vim só responder à tua pergunta sobre a cobra: faltava o meu marido, ue já voltou a trabalhar: se lá estivesse, seria realmente perfeito!!! E a analogia com a cobra e o paraíso é mesmo só para lembrar que não há perfeições absolutas... Beijinhos

125_azul disse...

Vim só responder à tua pergunta sobre a cobra: faltava o meu marido, que já voltou a trabalhar: se lá estivesse, seria realmente perfeito!!! E a analogia com a cobra e o paraíso é mesmo só para lembrar que não há perfeições absolutas... Beijinhos

Morena disse...

CJ, não conhecia o teu blog, mas já tinha ouvido falar de ti, pela boca da tua e minha (portanto nossa) amiga Loira! Venho agradecer o comentário, foi muito simpático da tua parte!
Beijinhos

Mae Frenética disse...

Mandei-te um email.

Loira disse...

Amiga CJ, as tuas palavras são dolorosamente bonitas...
Quero encontrar-me ctg e com a horas esta semana. Achas q tens um tempinho?
Sim, já voltei!
bj*

Smas disse...

Lindo o texto.
Bjs

Repolha disse...

Sabes o que me fez mais confusão em todo esse documentário? Foi o facto de encararem esses saltos como suicídios - poder-se-á chamar suicídio à fuga das chamas? Não percebo.
--
Também vi o doc. que o Cara D'Anjo Mau fala. Foi até agora o mais impressionante que vi - até porque foi filmado em tempo real.

PS: Voltei! Voltei! Beijos grandes