6/05/2007

Palavras

Todos os dias escrevo. Todos os dias escrevo para viver, para sobreviver.
Escrevo por prazer, por dever, por necessidade.
Escrevo porque escrever é a minha profissão, o meu ofício, o meu vício, a minha perdição.
Escrevo depressa ou devagar, com gosto ou para despachar.
Escrevo porque é preciso e porque tem de ser.
Gosto das palavras e elas retribuem-me o gosto. E, no entanto, odeiam-me, matam-me, maltratam-me.
Torturam-me.
Chegam-me em catadupa e desertam-me subitamente. Amantes inconstantes.
Escrevo-as e elas escrevem-me. Descrevem-me.
Eu cubro-as e descubro-as.
Distribuo-as, espalho-as e espalho-me. E elas tapam-me e destapam-me.
Escondo-me por detrás delas e elas... elas despem-me e expõem-me. Escancaram-me.
Gosto de brincar com as palavras e elas conhecem os jogos todos. E deixam-me pensar que sou eu que jogo com elas, quando na verdade são elas que me têm na mão. Cativa.
Claro, elas é que brincam comigo. Às escondidas, à cabra-cega. E eu pingue pongue, matraquilhos: vai para ali, foge para aqui. Ah, estás aí?! Então não podes estar acolá. Anda, mexe-te. Salta, dá uma cambalhota, transforma-te, transfigura-te.
Advérbios, adjectivos. Verbos transitivos, intransitivos. Intransigentes. Proximidade proibitiva, rima inconveniente. Sinonimiza, pá, relativiza-te. Encontra alternativa. Descobre, procura, reflecte, dá a volta, muda o tom.
Descritivo? Interrogativo.
Discurso. Diz?
Directo, indirecto. Livre. Livre? Liberdade de expressão, ilusão. A palavra é uma prisão. Uma paixão.
Escrevo por gosto, por obrigação. Todos os dias, cada vez mais, por tudo por nada. Gasto as palavras e elas sobram-me. Paradoxo? Sacerdócio.
Por isso, arranjei este blog, para despejar mais palavras. As que não uso, que desperdiço. As que não sei onde pôr. Quando resolvi criá-lo, ao blog, foi porque me dei conta que precisava de arrumar as palavras espalhadas aos molhos na minha mente, no meu íntimo. As que repito, incessantemente para mim própria, à exaustão. As que me atravessam o espírito. As que surgem, fugidias. Esquivas. Ariscas.
Fazem de mim gato-sapato e eu a pensar que as ponho na ordem. Qual ordem?
E dou por mim a precisar de andar com o blog no bolso. Os melhores posts, escrevo-os dentro da cabeça. Na paragem de autocarro, na casa-de-banho. Ao pequeno-almoço, dentro da caneca de café com leite. Brainstorming inconsequente.
Passo os dias a escrever e o que quero escrever não escrevo. Todos os dias posto, mas vocês não lêem. São posts perdidos, desperdiçados, lost in space. Palavras que nunca escreverei. Será que não?
Para que me servem os caderninhos?
Sou preguiçosa, demasiado preguiçosa. Tempus fugit. Os romanos eram loucos, mas eles é que sabiam. Em latim, língua morta, exprimiram uma das grandes verdades da vida.
O que andas tu a fazer da tua, Calamity?

22 comentários:

Mocho Falante disse...

mas que grande e fabuloso texto...deu-me muito gozo absorver cada palavra dele

beijocas

Luísa disse...

escreves pouco mas depois escreves estas coisa que adoro ler!

Beijinhos

R de Regina disse...

Porque ao escrever você é a luz
Iluminando o longo de um caminho.Abs

Patrícia Santos disse...

Bem...

Não me lembro de ler alguma coisa que me prendesse tanto como este post, que diz tanto e nada diz. :)

O que é para si o Tarot?

Beijos Cósmicos

L de Luis disse...

As palavras agradecem tamanha dedicação e devoção.
As palavras querem-te a ti.
As palavras fogem para os teus braços.
As palavras roubaram-te o coração.
As palavras são tuas.
Só tuas.
Sorte a das palavras.
"- Qualquer dia dou-te uma palavrinha".

Loira disse...

Ai gaja... tu escreves mesmo deliciosamente bem! Até irrita! ahahah!

. disse...

Nunca poderia tê-lo descrito melhor. A palavra é uma prisão, e uma libertação. É isso tudo. E são elas que nos escrevem. Mas não acontece a todos, CJ, sabias? Há quem pondere cada palavra antes de a escrever. Depois há os outros. Quando as palavras nos usam como veículo para sair, é assustador... e mágico... é como uma torrente que sai sozinha. Sinto isso, mas nunca osei descrevê-lo. As palavras já estão escritas, nós só as trazemos à luz. Quem as escreve? Não faço a mínima ideia. Terão algum propósito? Com toda a certeza. Por isso, escreves no banho ou a lavar os dentes, a jantar ou até a ver TV. E o que fica por escrever? Tanto, tanto, que até nos comprime o peito.

. disse...

OUSEI

Cool Mum disse...

e mais palavras para quê?
:)

Ana Paula disse...

Caramba...

chiqui disse...

que post fantastico, calamity!!

a palavra escrita sempre me seduziu muito. sempre gostei muito de escrever.
o facto de viver noutro pais, de falar outra lingua 90% do tempo, e principalmente nao escrever em portugues assustou-me muito. por isso, tambem, resolvi comecar o blog.
E a cada dia que passa sinto as palavras a fluirem melhor, mais facilmemte. "E elas tapam-me e destapam-me".
muito bom... beijos brilhante calamity

R de Regina disse...

Calamity, suas palavras são um bálsamo.
Beijocas

Anónimo disse...

Cada um tem a sua forma de expressao. os melhores textos sao sempre aqueles que ficam por escrever. Como as melhores musicas...
Beijos

Daqui e de Acolá disse...

Li-te e vi-te mesmo sem te ver, princesa Pokaontas das palavras!
É tão verdadeira a tua maneira de escrever como é verdadeiro aquilo que és que transmites aos outros. I love You exactamente na mesma medida da tua loucura Calamity!
Beijos
Guida

Cristina disse...

As palavras são isso tudo. Eu gosto de escrever mas ler é a minha paixão!

Bjos

Cristina

R de Regina disse...

Interessam as letras
Representação gráfica
Como vaga em divagações:)
Estou rindo ainda....

Ck in UK disse...

Tal como tu, os melhores post escrevo-os na cabeca.
Sabes que uma grande cura da depressao e a escrita? e recomendado andar sempre de caderninho e caneta na mao. E funciona.

Parabens pelo texto. devias era escrever mais....

anne disse...

Arranja lá um portátil, assim em vez de escreveres num caderninho passas directamente para o blog.
(Belo post :D)

Mae Frenética disse...

Oh Calamity!! Qdo estiver em grande trabalho cerebral liga-me!! :))
É q se saem palavras destas todos os segundos da tua cabeça, ai meu Deus o q andamos a perder....

L de Luis disse...

Era só para fazer um pedido de posts pedidos pode ser ó faxfavoire.
Portantos. Como só vens de vez em quando e como estás sempre a escrever é só armazenares uma dezena de textos e fazeres uma gestão semanal da coisa. Assim até parece que tens tempo para a coisa e tal.

Anónimo disse...

E de pois das palavras, o silencio!

M disse...

e eu já te lia aqui :)

bj meu