8/20/2007
8/10/2007
Adeus
Símbolo familiar da resistência, orgulho desmedido do meu pai. Tu, o homem que viveu a revolta de Beja. Tu, que aguentaste, sem trair os teus camaradas, a tortura pidesca que te levou um dos pulmões antes mesmo de os meus se abrirem para o mundo. Tu, cuja imagem me acompanha desde que me lembro de mim, naquela memorável foto comigo aos ombros. Eras tu que mal te continhas de felicidade por conhecer a filha do teu irmão? Ou eu, que não cabia em mim por desfilar aos ombros do meu glamoroso tio?
Sabes que era por ti, para disputar a tua aprovação que eles - os dois putos! - se digladiavam nas intermináveis consoadas, em que o H bebia demais e fazia questão de se mostrar reaccionário só para ser do contra, ele que nunca soube arcar com o vosso brilhantismo. Todos discutiam, o meu pai passava-se, o H passava das marcas e tu batias com os punhos em cima da mesa, dizendo que não estavas disposto a aturar aquilo na tua casa. Talvez por isso não tenhas recebido a malta prá consoada no ano passado. Porque não estavas para levar com os números infantis dos teus dois irmãos mais novos que, ironicamente, o faziam para merecer a tua atenção - por que outro motivo o fariam? - mesmo que isso acabasse por estragar a noite de todos.
Mas era nessas noites que a família - pouco dada a grandes reuniões - estava junta, se ria das desgraças passadas e "recuperava" um ano inteiro sem se pôr a vista em cima. Minto: também havia o aniversário da F, a fechar o verão, num restaurante de Sesimbra ou do Meco, toda a malta a alambazar-se a tarde inteira de camarões e outras iguarias oceânicas. Sempre gostaste de te tratar bem - e a nós. Nos natais, nunca faltou o belo ananás dos Açores, o queijo da Serra a esvair-se, o tinto de reserva, tudo do bom e do melhor. Tudo tuga, que sempre foste adepto de que "o que é nacional é bom". À excepção do bacalhau, claro, de primeiríssima, cada posta com meio palmo de altura.
Todos os que passaram por ti de ti gostaram, porque sempre foste gentil e generoso, convicto das tuas convicções. Deve ter sido por isso - por que outra razão seria? - que sempre tiveste a casa cheínha de presentes. Nos tais natais, os da família eram apenas uma pálida amostra no meio dos outros todos, que submergiam por completo a carpete, no espaço exíguo que ia do pinheirito à mesa de vidro, cujo tampo mal se via debaixo das caixas e caixinhas. Devia ser, só podia ser por seres um bom homem, que nunca ouvi quem quer que fosse apontar-te o mínimo defeito. Nunca tiveste papas na língua e sempre te ouvi dizer o que pensavas - doesse a quem doesse. Sem violência, mas também sem rodeios. És também, para mim, um exemplo de amor conjugal: quantas décadas durou o teu casamento? Quantas viagens fizeram vocês juntos, sempre juntos? Sempre queridos um com o outro, sempre com presentes e mimos um para o outro, sempre moreníssimos dos verões passados na praia. Que vai ela fazer agora sem ti, ela que desde sempre viveu por ti? Sempre tão bonita, tão arranjada. Como devias amá-la... Como ela te ama... Como tentou despertar-te desse teu sono profundo, agora eterno. Por mais que feche os olhos, dentro das pálpebras fechadas continuo a ver-te, trinta e tal anos atrás, naquela fotografia a preto e branco, com a tua pequena sobrinha aos ombros. O teu bigode de esquerda. A tua pele morena. O teu sorriso.
Até sempre meu querido, querido tio
Sabes que era por ti, para disputar a tua aprovação que eles - os dois putos! - se digladiavam nas intermináveis consoadas, em que o H bebia demais e fazia questão de se mostrar reaccionário só para ser do contra, ele que nunca soube arcar com o vosso brilhantismo. Todos discutiam, o meu pai passava-se, o H passava das marcas e tu batias com os punhos em cima da mesa, dizendo que não estavas disposto a aturar aquilo na tua casa. Talvez por isso não tenhas recebido a malta prá consoada no ano passado. Porque não estavas para levar com os números infantis dos teus dois irmãos mais novos que, ironicamente, o faziam para merecer a tua atenção - por que outro motivo o fariam? - mesmo que isso acabasse por estragar a noite de todos.
Mas era nessas noites que a família - pouco dada a grandes reuniões - estava junta, se ria das desgraças passadas e "recuperava" um ano inteiro sem se pôr a vista em cima. Minto: também havia o aniversário da F, a fechar o verão, num restaurante de Sesimbra ou do Meco, toda a malta a alambazar-se a tarde inteira de camarões e outras iguarias oceânicas. Sempre gostaste de te tratar bem - e a nós. Nos natais, nunca faltou o belo ananás dos Açores, o queijo da Serra a esvair-se, o tinto de reserva, tudo do bom e do melhor. Tudo tuga, que sempre foste adepto de que "o que é nacional é bom". À excepção do bacalhau, claro, de primeiríssima, cada posta com meio palmo de altura.
Todos os que passaram por ti de ti gostaram, porque sempre foste gentil e generoso, convicto das tuas convicções. Deve ter sido por isso - por que outra razão seria? - que sempre tiveste a casa cheínha de presentes. Nos tais natais, os da família eram apenas uma pálida amostra no meio dos outros todos, que submergiam por completo a carpete, no espaço exíguo que ia do pinheirito à mesa de vidro, cujo tampo mal se via debaixo das caixas e caixinhas. Devia ser, só podia ser por seres um bom homem, que nunca ouvi quem quer que fosse apontar-te o mínimo defeito. Nunca tiveste papas na língua e sempre te ouvi dizer o que pensavas - doesse a quem doesse. Sem violência, mas também sem rodeios. És também, para mim, um exemplo de amor conjugal: quantas décadas durou o teu casamento? Quantas viagens fizeram vocês juntos, sempre juntos? Sempre queridos um com o outro, sempre com presentes e mimos um para o outro, sempre moreníssimos dos verões passados na praia. Que vai ela fazer agora sem ti, ela que desde sempre viveu por ti? Sempre tão bonita, tão arranjada. Como devias amá-la... Como ela te ama... Como tentou despertar-te desse teu sono profundo, agora eterno. Por mais que feche os olhos, dentro das pálpebras fechadas continuo a ver-te, trinta e tal anos atrás, naquela fotografia a preto e branco, com a tua pequena sobrinha aos ombros. O teu bigode de esquerda. A tua pele morena. O teu sorriso.
Até sempre meu querido, querido tio
8/06/2007
Farta de mim
é o que é. Estou mesmo fartinha de me aturar e às minhas merdas. De ser assim como sou. De não haver meio de mudar naquilo que tenho de pior. De perder tempo com tangas que não interessam nem ao menino jesus. De não fazer o que tenho de fazer e fazer o que não tenho. De estar há horas a olhar para o mesmo texto e não o terminar por "bloqueios" que na verdade não passam de preguiça. De não ter feito os trabalhos para fechar a parte curricular do mestrado e estar em risco de ter deitado o dito-cujo fora, assim como ao dinheiro investido. De não tomar as decisões que se impõem por falta de frontalidade, cansaço ou lá o que é. De não ter vontade suficiente de mudar e de andar para a frente. De me preocupar constantemente com aquilo que escapa ao meu controlo mas de inventar desculpas para não mudar aquilo que posso. De atirar areia para os meus próprios olhos enquanto a vida vai passando
Foda-se, que hoje estou farta de mim
e nem a merda do post consigo publicar
nota: ontem escrevi esta posta; hoje já não me sinto taaaanto assim, mas só agora consegui publicar. E como é verdade e ainda não passou por completo, aqui fica. Se deixar por completo de me sentir assim, despublico - depois pode ser que não consiga. É bem feita!!!
Foda-se, que hoje estou farta de mim
e nem a merda do post consigo publicar
nota: ontem escrevi esta posta; hoje já não me sinto taaaanto assim, mas só agora consegui publicar. E como é verdade e ainda não passou por completo, aqui fica. Se deixar por completo de me sentir assim, despublico - depois pode ser que não consiga. É bem feita!!!
8/02/2007
... e eu não penso senão nele - no poema
Pronto, eu confesso: vejo a Vingança. Diariamente. E quando não posso ver gravo. Há anos que não via uma novela e nunca tinha estado agarrada a uma portuguesa. Antes da Vingança segui a Senhora do Destino, e antes da Senhora do Destino, o Clone. Como podem constatar os inúmeros e incontáveis que sabem do assunto, é uma média de uma de 3 em 3 anos. Mas quando me dá, dá-me a sério e a Vingança conquistou-me. Foi um dia por acaso, calhou ser um momento crucial, a cena era empolgante, estava muitíssimo bem filmada e editada, o som poderosos e até os actores eram convincentes. O episódio era dos primeiros, e prontos: fiquei a modos que viciada na coisa. Isto para dizer que há uns dias fui surpreendida por uma cena que me comoveu. Envolvia a leitura, por uma personagem feminina, deste poema, ao personagem masculino que está apaixonado por ela. E eu, que não me lembrava dele - do poema (até porque sempre fui muito mais Álvaro de Campos que Alberto Caeiro...) - dei por mim a pensar nele. Aliás, a não pensar senão nele - no poema. Tive de o procurar e hoje venho partilhá-lo convosco.
Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar. E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.
Alberto Caeiro
(Meu príncipe: aos 9 anos, ainda é muito cedo para sofrer por amor...)
Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar. E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.
Alberto Caeiro
(Meu príncipe: aos 9 anos, ainda é muito cedo para sofrer por amor...)
Subscrever:
Mensagens (Atom)