9/26/2007

E mais retrocessos

(aviso à navegação: esta posta contém expressões eventualmente chocantes)

Há muitos, muitos anos, andava eu no liceu e tinha um professor de uma disciplina chamada "Ciências Económicas e Sociais" que me ensinou muito do que eu sei hoje. Entre outras coisas, que aquilo a que chamamos actualmente "Economia" não é uma ciência exacta, mas antes faz parte das chamadas ciências sociais e humanas. Mas isso, para não variar do meu hábito de estar sempre a desviar do assunto, não é o que me traz aqui agora, embora desse certamente um muito bom tema para uma posta.
O meu prof, que me iniciou, assim como a muitos dos meus colegas da altura, às bases do pensamento contemporâneo, às raízes do sistema capitalista e, por assim dizer, ao hábito que ainda hoje tenho de tudo relacionar, que me permite, acho eu, ter uma visão mais ou menos lúcida e global do mundo, falava com frequência nos filósofos John Locke e Thomas Hobbes, contrapondo o pensamento deste último com o de Rousseau - o Jean-Jacques - , que era de opinião que o Homem é naturalmente bom. À época, com a ingenuidade própria dos meus 14 ou 15 anos, eu alinhava pelo pensamento deste último e achava que o Hobbes devia ser um tipo muito pessimista e até algo cínico ao afirmar com tanta frieza que "Homo homini lupus", ou seja, que o homem é um lobo para si próprio. Isto, no sentido da maldade do ser humano, do facto de este se constituir em predador da sua própria espécie - e não para responder a necessidades imediatas e vitais como a alimentação.
Pois hoje vejo-me forçada a aceitar que Hobbes não se enganou, o que é deveras preocupante, uma vez que passaram cerca de quinhentos anos sobre os escritos de tal personagem, o qual desenvolvia a teoria de vivermos num estado de "guerra de todos contra todos".

Foda-se. Eu sei, inúmeros e incontáveis. Estou cada vez pior. Só digo ordinarices e com frequência crescente, mas nem sequer me apetece controlar esta minha ânsia de escrever palavrões por extenso, saboreando cada sílaba, cada letrinha, e só tenho pena que a nossa língua, noutra áreas tão rica, seja tão parca nestas palavritas - pois, além do mais, elas são pequenitas: deviam ter todas pelo menos quatro ou cinco sílabas, que era para permitirem alguma satisfação, que é, afinal do contas, o objectivo da sua existência. Foda-se, portanto. Fo-da-se. F-O-D-A-S-EEEEEEEE. - Foda-se, dizia eu. Que merda de país este. Que merda de mundo este. É melhor ficar com raiva. Com ódio. Com nojo. Berrar. Mijar. Vomitar. Porque a alternativa é chorar. A dor. A dor a dor a dor a dor a dor a dor. A dor a dor a dor a dor a dor a dor. A dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor. Um dia quis começar a escrever um livro. O livro que ia revelar uma grande escritora ao mundo. A grande obra. Aquela que trago há tanto tempo guardada dentro de mim. E então comecei (Pois não é isto que custa sempre tanto: começar?..). E foi isto que escrevi:
A dor. A dor a dor a dor a dor a dor a dor. A dor a dor a dor a dor a dor a dor. A dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor a dor. Parecia o lunático representado por Jack Nicholson naquele filme, "The Shining".
Não, inúmeros e incontáveis. A vossa Calamity ainda não se passou. Por completo, digo. Foi só de ver o noticiário à hora do almoço. A Esmeralda. A Sara. A Maddie. Foda-se, que não dá. Não dá, não dá pra aguentar mais esta merda do caralho da porra de asco nojento de bosta de cagalhão de esgoto podre javardo e obnóxio (esta última porque, de tão feia, parece um palavrão). Vêem? Não há palavrões que nos aliviem. Não há. Uma pessoa vê-se obrigada a usar vocábulos esquisitos e mesmo assim não funciona.
A Esmeralda. A Sara. A Maddie. E a Joana. E o Daniel. E a Vanessa. O que é esta merda?????!!!!! O que é isto????!!!! Eu sou mãe, porra!!!! Devo deixar de ligar a televisão? Devo emigrar? Mudar de profissão? Será que alguma destas soluções o seria? Será que iria deixar de doer? Doer um pouco menos? Aligeirar o medo que sinto por mim, pelos meus filhos, pelos filhos que eles terão um dia? E será que eles vão querer tê-los? Ou irão eles renunciar ao desígnio da paternidade por terror, por pavor deste mundo que herdámos e lhes deixamos de herança. Do qual não temos culpa, talvez, mas pelo qual somos todos responsáveis. O que havemos de fazer??? O que hei de fazer???

Há quase um século, um poeta português (Augusto Gil, acho eu) exprimia assim o desalento: (Praticamente cem anos volvidos continua tudo na mesma. Na mesma?)

(...)
Mas as crianças, Senhor
Porque lhes dais tanta dor?
Porque padecem assim?

E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação,
Entra em mim, fica em mim presa...

14 comentários:

. disse...

Junto-me a ti no coro de palavrões. Ou isso ou seriam de lágrimas. Não podemos andar sempre a chorar. Hoje disse uns quantos. Abusos sexuais contra crianças triplicaram nesta terra de tão afincadas raízes religiosas. O homem, e deixo estar, por maioria, com letra minúscula, é intrinsecamente um grande filho da puta. Alguns, no entanto, andam com açaimes sociais.

Amélia do Benjamim disse...

'A Esmeralda. A Sara. A Maddie. E a Joana. E o Daniel. E a Vanessa. '

hoje andei a bater mal com uma peça que li da Sara. Confesso. A Esmeralda? Era para escrever, talvez ainda lá vá, mas, sem comentários, ou: estão todos loucos! O Daniel tirou-me o sono...
Isto é revolta, o que sinto. Mil vezes lia o Leviatan do Hobbes se me dissem que isto não acontece.

Medo pelo que aí vem. Porque como tu, sou mãe. Pela bomba de vácuo, 4 vezes pior que a atómica mas, maszzz, não estraga o ambiente... que é mesmo isso de não estragar o ambiente? Não estraga o animal humano? Querido Putin, também amais vós os vossos filhos?

E do ambiente, pois, imagino o que hoje se faz por desporto que amanhã todos vamos pagar por obrigação, sendo necessárias leis de punição... por não teres reciclado o pacote do arroz! pagaremos por isto, daqui a uns tempos, porque hoje, famílias de ursos polares estão a perder-se, à deriva com o degelo. Já começou.

Por outro lado, é urgente e cada vez mais necessária a autoridade, porque há muito laxismozinho, mas sinto muita dificuldade em distinguir quem é quem neste circo, começando pela 'autoridade'.

Mas devemos esperar, permanecer srenamente, devemos isto aos nossos filhos. Não desesperar. Se todos fizermos isto já é uma grande coisa. Digo eu. Calma amiga, e ânimo. Que vês que possamos fazer? Estou contigo.

Obviamente, no post anterior lembraste-me de um martírio a sofrer no próximo mês. Pois é e pronto. Hoje estou aqui, e no próximo mês, já sabes, pensarei muito em ti, e no quanto (ao menos tu) (des)escreves tão bem.

Beijinhos.
Amelinha

Mariah disse...

Já leio as tuas postas há algum tempo (vim aqui parar através da Luz) e gosto sempre muito do que leio. Apesar de não ter, de modo algum, o dom da escrita, gosto de ler quem escreve bem (o mesmo se aplica à Luz e à Amélia). Concordo totalmente com o que aqui dizes assim como no post anterior. Desde que o meu filho nasceu ando um pouco alheada do que se passa, mas hoje ao ouvir a notícia da Esmeralda,e depois de ter lido sobre a Sara e o Daniel, pensei que isto são umas atrás das outras. É por isso que me irrita que num país, que trata desta forma as suas crianças, haja vozes acusatórias em relação ao caso Maddie!
Para terminar aproveito para te agradecer a ti à Luz e à Amélia, porque ao vos ler, acrescento sempre algo aos meus dias.

AEnima disse...

Querida,

Economia, costumo eu explicar assim aos alunos, e' o estudo da racionalidade das escolhas humanas. E' uma ciencia social que tem uma premissa de importancia gigante - assume que os comportamentos humanos que estuda sao racionais.

O Homem distingue-se dos outros animais pela Razao. As vezes olho para este mundo e penso que afinal... a racionalidade pode ser uma caracteristica nao universal 'a especie. Acho que ha homens que preferem nao se distinguir dos outros animais.

So assim consigo perceber a existencia de casos como o da Maddie, da Esmeralda... e tantos outros, crimes de sangue, contra outros humanos - pequenos ou grandes.

Emigrar para que? O resto do mundo nao esta melhor. O cancro nao e' uma doenca moderna... e pode dar colectivamente, a uma sociedade. O problema e' que julgam poder erradica-lo com a quimo das bombas... Mas atacam o tumor errado, com o tratamento errado tambem.

S.A. disse...

A mim só me ocorre mesmo uma palavra.. FODASSE!

Anónimo disse...

Agora magoaste-me - e porque eu ainda quero acreditar que os homens sao bons por natureza, mas assim torna-se dificil.
Nada me doi mais do que ver uma crianca sofrer, apesar de acreditar que por cada uma que sofre ha milhares de criancas felizes - ainda assim, Augusto Gil, tinha toda a razao: mas as criancas, Senhor? porque lhes dais tanta dor? Porque padecem assim?

E olha que nao sou pai, queria ser mas nao sou. Trabalhei muitos anos com criancas a quem chamavam dificeis, eram criancas infelizes... mas eram boas e adorava ve-las desabrochar com a minha musica e atenuar a sua dor.
Nao sei porque, as criancas adoram-me e eu adoro-as. Talvez porque as trate como a um adulto, ou poruqe seja companheiro a altura, ou porque respeite as suas ideias... e revoltam-se-me as entranhas quando vejo uma crianca que nao e feliz.
Mas acredito, sinceramente acredito, que nos dias que correm ha menos criancas que sofrem, que passam fome, que sao vendidas, que trabalham, e nao sao estas noticias que apesar de aterradoras, me vao fazer acreditar no contrario.
Infelizmente, o caminho da paz e muito silencioso, o resto sao desculpas. Desculpas para vender jornais e aumentar audiencias.
E um punhado de criminosos que nunca deviam ter passado por aqui ou ter tido o direito de gerar/ter uma crianca.

Anónimo disse...

Pois calamity. A Joana, a Vanesa, a Sara, O Daniel, a Maddie,... e todos aqueles dos quais não sabemos o nome.

patrícia (verdadeiramente eu) - o blogger deve estar chateado comigo enão me deixa fazer o loggin

125_azul disse...

Hoje também estou de mal com o mundo, pelas mesmas razões que tu e outras mais. Acho que cabe aqui um palavrão, mas não me ocorre nenhum à altura. Beijo grande e estou à espera do livro, acho que ele já merece ter o teu nome na capa.

Anónimo disse...

Então "Que Fazer?"
Regeitemos a submissão e a resignação do estado das coisas actual exijamos a mudança do que existe!
1902- Vladimir Ilitch Ulianov
Tão actual!
"Fazei acordos tendo em vista atingir os objectivos práticos do movimento, mas não trafiqueis com princípios, nem façais concessões teóricas."
Marx 1850 Actual!

Então para quando a revolução?

Maio Maduro

Ck in UK disse...

Oh minha ganda baca, bim aqui insultar-te. Vim aqui ao tasco antes de viajar, ha duas semanas!!!!! so que a porra dos comentarios nao ficam, e acontece-me isso noutra serie de blogues...

olha pronto, um beijo de s francisco!

Mae Frenética disse...

Ai ai ai ai.
Doi-me. A dor. Dos outros. A minha.

Eu ja nao posso ver noticias. Acabo a chorar, com o meu marido a zangar-se comigo por so ver o q magoa.

Sera este o mundo? O mundo de todos? Sera a minha vida uma excepçao? Quem protege os meus filhos se eu lhes falto?

A dor. Doi. Ai ai ai ai ai.

Ck in UK disse...

oh co-badalhoca (hehehe), bi o teu comentario e nao consegui encontrar o teu email... maila-me pro estamine, ok?

em relacao ao teu post, que li agora outra vez, lembrei-me q hoje em dia, se a gente pensar bem no assunto, nao quer ter filhos. e que po-los nest mundo pra que? e so desgraca pa! e nao ta com cara da coisa ir melhorar....

amigona avó e a neta princesa disse...

Partilho da tua DOR mas também da tua RAIVA! Fico assim com todos os que se encontram indefesos:crianças, idosos, animais...passa pela greentea e verás outra forma de violência.
Quanto às crianças por muitas razões sociais que se encontrem não consigo aceitar nem compreender...bom fds

caditonuno disse...

a minha mulher e eu ainda nao temos filhos. temos bons valores para dar, no entanto, mas ela até já está com medo que daqui a uns 2 naos tenha um filho e ele venha a ser um gajo destes que se vai vendo nos noticiários, pedófilo, mutilador, que mata os filhos à porrada, etc.

tal como nao podemos escolher os sogros ou os filhos, eles também nao podem escolher-nos, nao é verdade? podemos é tentar minorar essa situaçao e dar-lhes toda a atençao necessária pra que nao fiquem mais uns malucos neste mundo e acabem por cometer alguma loucura...