Este já está escrito há uns dias largos. Hesitei bastante entre postá-lo ou não postá-lo. Mas tendo em conta isto e agora também isto, desbloqueei. Hoje é então outro dia
Faz hoje dez anos que te foste, como uma sereia por entre as ondas. Sem fazer barulho e sem te despedir. Não sei se sabes, mas deixaste a conversa a meio. Já não me lembro do que falávamos, confesso. Nem sei mesmo se na altura me lembrei. Mas sei que durante muito, muito tempo, foi esta sensação bizarra que me ficou, a da conversa interrompida. Tipo: “onde é que nós íamos, mesmo?” Isso e um par de olhos esbugalhados, aquelas imagens presas na retina, como uma objectiva que tivesse ficado para sempre bloqueada no acto de fotografar... o horror.
Faz hoje dez anos que te foste, mas não penses que só hoje te escrevo à boa tradição portuguesa, de só recordar quem partiu nos dias dos aniversários. O Pessoa descrevia muito bem esse fenómeno naquele poema “Se te queres matar...”. Assim:
“Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.”
Não, não penses isso. Nestes dez anos não deve ter havido um único dos três mil seiscentos e cinquenta e tal dias em que não me tenha lembrado de ti.
E no entanto, a tua passagem pela minha vida foi pouco mais que meteórica. Durante muito tempo também, me interroguei sobre os motivos dessa passagem: porquê? Porque é que os deuses insistiam em colocar estas pessoas no meu caminho para logo depois as levarem? Qual o significado? Qual a razão? Depois veio aquele anúncio. Aquela menina não teria mais que quatro anos. Mas eu sei que eras tu.E logo a seguir, aquela música, que ainda hoje me custa ouvir. E que, eu sei, foi escrita para ti, pelo menos aquela parte:
Frio,
o mar
Por entre o corpo
Fraco de lutar.
Quente,
O chão
Onde te estendo
E te levo a razão.
Longa a noite
E só o sol
Quebra o silêncio,
Madrugada de cristal.
Leve, lento, nu, fiel
E este vento
Que te navega na pele.
Eu sei. Esta canção de amor, o Abrunhosa não deve ter pensado que a alguém pudesse ter soado como a banda sonora de um filme de terror. Mas soou.
E de repente, cinco anos passaram. E foi a vez dele*. Outro anjo efémero. Outra passagem súbita. Sem sentido. Cheguei a interrogar-me se teriam sido reais, vocês dois. Ou apenas figuras oníricas de um sonho tão intenso. Ambos existiram para mim durante apenas cinco semanas. Cinco semanas que foram toda uma vida. E que ainda doem. E eu sei que não vieram para magoar, mas então, vieram para quê???
Depois veio aquele dia: 26 de Dezembro de 2004. De repente, milhões de retinas ficavam também elas assim, esbugalhadas, incrédulas. E eu, que não estava lá, eu, que nunca viajara a leste de Estrasburgo, vi-me ali, em Phuket, em Phi Phi, em Samatra, em Meulaboh, em Jaffna, em Muttur, em Aceh, a reviver aquela tarde. O mesmo pesadelo elevado à potência n...
Tinhas vinte anos. Hoje terias trinta. Terias terminado o curso de psicologia ou talvez não. Terias aproveitado bem o tempo ou talvez não. Ter-te ias mantido bonita ou talvez não. Talvez estivesses mais bonita ainda ou talvez te tivesses estragado. Quem te conhecia desde sempre diria que terias ido de qualquer modo. Que não eras feita para este mundo. Que não lhe pertencias.
Não sei. Só sei que dez anos passaram. E que te foste com tanta pressa que deixaste uma conversa a meio. Não me lembro do que falávamos. Mas devia ser importante. Todas as nossas conversas eram importantes. Só podia ser algo inadiável. Se ainda te lembrares, diz-me. Eu ia gostar de retomar esse diálogo, tão fluido, como sempre o foi contigo. E logo nesse dia, estávamos TÃO felizes, lembras-te? Tudo parecia TÃO perfeito!
Se te lembrares, faz-me um sinal, dá-me uma pista. Talvez isso desate um pouquinho deste nó.
E... amiga?... Gostei de te conhecer!
*Mas com ele em breve falarei
10/25/2006
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13 comentários:
26 de Dezembro... Dois dias antes eu tinha descoberto que estava grávida e fiquei horrorizada com a tragédia de que falas. Quase me toldava a felicidade. Por momentos conseguiu toldá-la. As tragédias alheias ultrapassam-se com alguma felicidade; as nossas não. Há desses fantasmas, transportados para outros sítios e tb há os que ainda cá andam. Ambos fazem sofrer, se se tratarem de histórias que ficaram suspensas. Essa conversa ficou por escrever, não foi? Talvez essas razões que procuras nunca surjam. Ou as pistas estão à frente dos teus olhos e tu não as vês. Tenho um rol de almas que me deixaram tb, a meio do percurso. Dois ou três amigos, em especial. Lembro-me tantas vezes deles e sinto-os muito presentes. Se calhar é porque estão. Perdoa-me se invadi a tua história com a minha. Mas viver é isso: entrelaçar percursos.
... deixa-os ir. Chama-os apenas para pedir alguma protecção. Não sofras que assim eles tb sofrem, xim?
Há lá em cima um "felicidade" que deve ler-se "facilidade"
Como te entendo, minha amiga, como a revolta surge e a falta de compreensão reina...
Dou por mim a olhar em volta e a pensar que falta fazes tu montes de esterco ao mundo? que falta fazes? como desaparecem pessoas tão especiais que ainda tinham tanto para dar.
de repente, percebo que o mundo não gira à volta do meu umbigo, e que aqueles que para mim são insignificantes, para muitos são a sua razão de viver, por menos bons aos meus olhos o sejam...
Esquece...
A revolta ainda está no seu auge...
Um beijo e que a tua dor, depressa diminua e que devagarinho a vás arrumando no teu coração, como eu tento fazer com o meu.
Anónimo ou não(http://www.bypepper.blogspot.com/) a identidade aqui não passa do mesmo, mas tu sabes sempre que sou eu.
Fiquei,... fiquei calado, fiquei colado, não chorei, mas gostava,... fiquei especado no ecrã desde o início ao final. E tu sabes q qd a lenga-lenga é muita eu paro a meio ou logo ao início.
Impossível sequer deixar de comentar.
Pedalava 4 hs intensas de calor, 40 longos kms de suor pingado no alcatrão preto (e esse ainda lá está hoje), breves pausas de chocolate e vício de nicotina, levavam-me, levaram-me à mulher que amava, que amo... e até todas as outras em teu redor estendidas na areia pálida, morna, sob o sol de prata, imaginava enquanto empurrava mais uma volta ao pedal. Um penoso caminho para tanta alegria de chegar e ver-te, sentir-te (vos). Mas afinal... 10 anos passaram dizes.
Para mim foi ontem, é hoje, estás viva dentro de mim.
Está marcada em mim essa viagem, de assombro, afinal... as ondas do teu cabelo são como as ondas do meu mar.
Como a ti também me ocorre essa bela face de cabelo farto a qualquer dia do ano (mesmo que eu fosse de datas...) a qualquer hora do dia sem saber de onde, mas sim, aparece!
Não te esqueçemos, nunca.
Um beijo de PRATA onde quer que estejas.
Tenho a certeza que te sorriu e disse: "nao te martirizes mais... a vida acontece... let me go..."
Um beijinho muito especial
ah... ja me esquecia de te responder... columbia, SC, USA.
entendo tão bem...
beijos grandes
Pq é q não csg escrever nada?
A dor da perda e da saudade é assim mesmo, sofrida, parece que nunca acaba. Se não falarmos delas não atenua a dor.Para vc dez anos é pouco. É verdade, é pouco.Belísimo texto.
Hoje deve ser dia de te dar só um abraço muito apertado. Também lá no 125 me despedi de alguém, mas sem um texto tão maravilhoso como o teu. Não fui capaz. E olha que ele merecia...
Muitos beijinhos
Love You!
lembras-te me uma pessoa...
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