4/30/2009

Não se sentem já que a leitura hoje é ali ao lado

(e desculpem-me desde já os inúmeros e incontáveis mas hoje em dia um contrato é coisa rara e eu tenho de justificar o meu...)

Já andava há algum tempo para a terminar, mas esta manhã, fui 'intimada' a fazê-lo. O registo é totalmente diferente, mas era inevitável que este delicioso naco de vida me remetesse para a série das sopeiras. O segundo capítulo já está disponível. Podeis lê-lo no curral. É um bom pretexto para vos convidar de novo a visitá-lo...

(O anónimo - ou seria anónima? - que esperou longos meses para me vir taxar outra vez de reaccionária é, obviamente, bem-vindo. Aliás, fiz questão de lhe dedicar a posta. E já agora, e porque vem mais do que a propósito, estão todos convocados para o Mayday, amanhã.)

4/28/2009

É grave, Senhor Doutor?

O facto de estar a escrever esta posta é provavelmente a evidência cabal da pertinência da conclusão que os meus inúmeros e incontáveis irão tirar após concluírem a leitura da mesma - se é que tal coisa irá mesmo acontecer - , conclusão essa que posso desde já adiantar, poupando-vos assim à maçada de estabelecerem (mais) este duro, porém, estou certa, definitivo diagnóstico a meu respeito: já tem havido internamentos compulsivos em psiquiatria com motivos bem mais frágeis.

Se contudo os meus inúmeros e incontáveis insistem, por teimosia ou curiosidade, em prosseguir a leitura, só me resta, pois, partilhar convosco o que me traz aqui hoje e orar para que o vosso julgamento sobre o meu caso seja justo, porém brando.

O cenário é um consultório médico em prédio dos anos quarenta, de casas amplas, guichet a meio do corredor, porta pesada de madeira à qual foi adaptado um mecanismo automático sonoro, telefone(s) insistente(s), sala de espera ladeada de sofás e cadeiras, mesa redonda e austera ao centro repleta de revistas.Devem ser umas 16h15. Quatro pessoas distribuem-se por três assentos, todos os lados ocupados menos um, onde pontifica o pequeno ecrã em pleno ataque de hiperactividade estéril de segunda à tarde. Quatro pessoas: um homem de meia idade dando o flanco direito à TV; uma senhora rondando a mesma faixa etária sensivelmente à sua frente; enfrentando a caixinha barulhenta as restantes duas pessoas: um rapaz na casa dos vinte (digo eu, que ando cada vez pior nisto de atribuir idades à pessoas) e uma senhora na casa dos restantes ocupantes da sala. Entro, murmuro o boa tarde da praxe, vou direita à mesa das revistas, escolho uma daquelas que só consigo ler nestas ocasiões - para as cuscas, esclareço que se tratava da Máxima, na qual logrei tresler um texto sobre mentiras e sexo após o qual fiquei exactamente na mesma - e sento-me ao lado da senhora só, ficando o supra-citado televisor do meu lado esquerdo. Começo a ler. Ou melhor, começo a tentar ler. Não é fácil. O(s) telefone(s) toca(m) sem parar. A campaínha da porta também vai dando sinal de vida, que isto ou há moralidade ou comem todos. A Praça da Alegria intervalou e os compromissos comerciais estão apostados em rebentar com o volume do aparelho. Mas tudo isto até é suportável. Afinal, trabalhei tanto tempo em redacções. Com televisões ligadas em quatro canais a fazerem concursos de decibéis. Com a colega do cor-de-rosa a resolver questões difíceis (e quão difíceis, deus meu!) em altas vozes (e quão altas, deus meu!) e um ou dois chefes aos berros com um ou dois subordinados e telefones em trance psicadélico e a coisa até que se vai ultrapassando, umas vezes melhor outras pior, é certo, mas, digam-me os inúmeros e incontáveis, haverá ruído mais irritante, mais insuportavelmente desgastante do sistema nervoso central, periférico e latente (pronto, eu sei que tal coisa só deve existir na minha imaginação delirante, mas é só um efeito de estilo, uma mania de adjectivar ad nauseam), do que um bip bip repetitivo e insinuante??? Eu cá acho que não. Sim, é certo que o meu feitio sagitariano cruzado de neurótico herdado do meu querido pai me confere esta característica particularmente irritadiça que os inúmeros e incontáveis tão bem conhecem. Mas dentro da categoria dos barulhinhos especialmente irritantes, existem dois - assim de repente - que me fazem ir aos arames a uma velocidade próxima dos 300 mil km por segundo (para os mais distraídos trata-se da velocidade da luz e não precisam de me agradecer: afinal, todos temos de cumprir a nossa missão e a minha é ajudar a educar as massas. Ah, e antes que alguém se precipite a taxar-me de esta e mais aquela, vou já esclarecendo que não fui eu que disse, foi o teste de numerologia cujo link irei à procura se conseguir terminar a posta a tempo de não ser despedida). Portanto, dois, se bem se lembram: um é aquele plim plom! estridente e que fica a ecoar por meias-horas inteiras, e que ainda por cima nunca vem só, vem sempre repetido, assim: plim plom!, plim plom!, estridente e que fica a ecoar por meias-horas inteiras a tal ponto que uma pessoa já nem sabe se está ainda a ouvir o plim plom! ou se já se trata do próprio eco, que normalmente existe nas retrosarias, lojas de brindes e outras pérolas do comércio tradicional em vias de extinção nas quais para cúmulo os únicos artigos interessantes costumam estar pendurados precisamente ao lado do detector de presenças - pois é disso que falo, sabem, o tal plim plom! e poupo-vos ao resto da descrição -, o que tem habitualmente como resultado que fujo dali ao fim de oito a dez toques antes que desate a gritar furiosamente e o dono da loja - que normalmente é um velhinho adorável - me mande internar sem me deixar terminar de escrever a posta. O outro - estão a acompanhar-me? - é um bip bip repetitivo e insinuante cuja origem podemos até não estar a detectar mas que tem fortíssimas probabilidades de provir do telemóvel que o rapaz na casa dos vinte (digo eu, que ando cada vez pior nisto de atribuir idades à pessoas) dedilha entusiasmadamente enquanto a senhora a seu lado ronca suavemente, de cabeça levemente inclinada para trás e sem pestanejar.

(Para quem possa eventualmente ter ido à casa de banho ou atendido um telefone entretanto, esclareço que já saí da redacção e da loja de lavoures e estou de regresso à sala de espera do consultório médico)

Olho para ele franzindo o sobrolho (pelo menos, penso que franzo, que não tenho ali nenhum espelho à mão). O tipo não se manca e continua a teclar como se não houvesse amanhã. Um a um, percorro com o olhar os outros ocupantes da sala. Ninguém parece estar a reparar no barulhinho exasperante que escapa - agora estou certa disso - da maquininha insuportável do rapaz na casa dos vinte (digo eu, que ando cada vez pior nisto de atribuir idades à pessoas) que talvez não tenha exactamente a idade que eu penso mas que tem certamente idade para ter juízo. Bip bip. Ah, se fosse meu filho... Tento concentrar-me na leitura do fascinante artigo. Bip bip. Sabiam que três em cada quatro pessoas mente a respeito do número de parceiros sexuais? Em boa verdade vos digo, tenho praí uns... Bip bip. OK, pronto. Falamos nisso noutra altura. Bip bip. Até porque estou prestes a iniciar uma espiral de violência. Aviso já que sou particularmente atreita a ataques de nervos Ainda para mais nesta altura do mês. Bip bip. E vou bem lançada. Já estou a bufar. Como é possível que ninguém diga nada? Será que? Bip bip. Começo a virar ruidosamente as páginas da revista. Nada. O senhor da frente - o tal do flanco direito - olha para mim enquanto fixo significativamente o rapaz na casa dos vinte (digo eu, que ando cada vez pior nisto de atribuir idades à pessoas). Não parece estar a ouvir o bip bip que cada vez penetra mais fundo nos meus tímpanos, nos meus dentes, nas minhas unhas, na espinal-medula... Bip bip. A senhora - que, pensando bem até é capaz de ser mãe dele - continua a ressonar serenamente, cabeça tombada - um tudo nada embora - sem que dela emane o mínimo sinal de incómodo. Ao meu lado, a outra personagem de meia-idade (reparo agora que, quando digo de meia-idade, me estou a referir a uma pessoa entre os 50 e os 65) também não parece de perto nem de longe perturbada com o bip bip que me está progressiva mas insidiosamente a conduzir a um ponto de não-retorno. Digo? Não digo. Bip bip. Pronto. É demais. Vou respirar fundo, levantar-me, e perguntar, educada, mas firmemente, ao rapaz se não se importa de cortar o pio ao telefone. Basta tirar o som das teclas. Qualquer miúdo de 11 anos sabe isso. O meu sabe. Bip bip. Mas o paquiderme que habita as profundezas do meu ser tenta refrear os meus ânimos já deveras exaltados. Murmura (quase tão ruidosamente quanto o desesperante bip bip): "Tu acalma-te, Calamitosa. Tu tem tento na língua. Tu não te passes antes do tempo que tu perdes a razão e ós pois quem fica mal vista és tu. Tu observa lá cuidadosamente à tua volta a ver se mais nada estará a causar tão enervante bipar". Respiro fundo. O meu telefone toca. Levanto-me e vou atender lá fora. Quando regresso, o meu anterior lugar está ocupado. Sento-me do lado oposto. Pego noutra revista. Há alguma movimentação na sala enquanto o bip bip perdura como um interminável ruído de fundo. Duas raparigas novas entram e partilham o comprido banco comigo e com o senhor de meia-idade que afinal já terá ultrapassado a meia e que é chamado pela recepcionista. Quando volto a consciencializar-me do bip bip já passaram uns minutos. Levanto novamente os olhos e qual não é o meu espanto quando me apercebo que agora, quem tem o telemóvel infernal nas mãos é a senhora que outrora roncava discretamente e agora se ocupa a manejar a maquineta do demo sem lampejo de pudor!!! Não posso acreditar. Agora tenho a certeza. Trata-se definitivamente da mãe do rapaz na casa dos vinte (digo eu, que ando cada vez pior nisto de atribuir idades à pessoas). Como haveria de o rapaz ter qualquer sombra de boas-maneiras quando a própria progenitora se dedica à actividade frenética do teclanço barulhento sem qualquer contemplação??? O mundo está perdido. Ainda bem que não disse nada. Está-se mesmo a ver o género. A coisa teria certamente dado peixeirada. Bip bip. Ah, meus deuses, segurem-me, que eu vou-me a eles. Pego na terceira revista.

E é então que os acontecimentos se precipitam. O rapaz na casa dos vinte (digo eu, que ando cada vez pior nisto de atribuir idades à pessoas) já não se encontra na sala, a senhora que outrora roncava discretamente e seguidamente se ocupava a manejar a maquineta do demo deixou de jogar, não existe vivalma em toda a sala que possa estar a provocar o bip bip do meu descontentamento e no entanto ele continua. Bip Bip. É a minha vez de ser atendida. Entro na sala do médico. Sento-me, enquanto o senhor doutor foi lavar as mãos. A porta aberta dá para a entrada do consultório. Maquinetas em todo o lado. Dentro da sala, o ecógrafo. À entrada, o mecanismo que faz abrir a porta. Entre o corredor e a divisão onde me encontro, outro aparelhómetro. Todos eles piscam e todos eles são susceptíveis de estar a provocar o bip bip desde a minha chegada. Desde antes da minha chegada. E assim continuará após a minha partida. É assim todos os dias, provavelmente. Não há telemóvel, não há rapaz mal educado, não há mãe desnaturada, não há pacientes indiferentes. O que há é uma calamitosa louca, desvairada, e que um paquiderme pachorrento acabou de salvar de uma situação deveras embaraçosa. Quem disse que ter um elefante no lugar do grilo falante é uma tremenda maçada? Bip Bip.

4/26/2009

35 anos depois

Mudou a 'velhinha' palavra de ordem.

A nova é: "25 de Abril já!"

4/21/2009

O Estado e o estado a que isto chegou

35 anos depois do 25 de Abril, talvez tenha chegado o momento de nos interrogarmos sobre qual o papel do Estado e se fará sentido, dada a realidade, continuarmos a insistir neste modelo de sociedade. Mas, claro, isso sou eu, que tenho a mania de pensar em coisas...

De qualquer modo, e porque parece que, apesar daquela senhora gorda que se sentou em cima da malta e a quem chamam carinhosamente Crise, ainda andam aí alguns que têm manias (vícios, vá lá) semelhantes às minhas, aqui fica uma pista de reflexão. Coisa velhita e desactualizada...

Liberdade

Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão, habitação, saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir

Sérgio Godinho
(in 'À Queima-Roupa', 1974)

pensamos em conjunto?

4/14/2009

Samba e Amor ou A vida é demasiado curta para que a passemos a engolir sapos

Sentir-nos felizes com aquilo que fazemos no dia-a-dia é condição sine qua non para mantermos a sanidade mental. Sempre me interroguei sobre como fazem aquelas pessoas que passam 40 horas por semana a sentirem-se miseráveis nos seus postos de trabalho, aturando chefes intratáveis ou executando tarefas deprimentes que não lhes dão qualquer tipo de prazer. Admiro essa capacidade de sacrifício mas seria absolutamente incapaz de viver assim. Admito que o meu saco deve ser particularmente pequeno, comparado com o da maioria, mas, quando começo a sentir-me em dissonância com um "emprego" - e é óbvio que, sendo precária desde 1998, este conceito de emprego é algo difícil de definir - o mal-estar vai num crescendo que, a pouco e pouco, vai tomando proporções tais que acaba por ocupar todo o espaço. É então que surgem os sintomas físicos de rejeição. Os primeiros, como não podia deixar de ser, situam-se (ainda) no campo psico-somático. Há cerca de 15 anos que deixei de ter insónias na acepção mais comum do termo. Esteja mal ou bem, adormeço sempre com a maior das facilidades. Às vezes até demais: quantas vezes não me fico a meio do intervalo de um filme que gostaria de ver até ao fim. De há uns anos para cá passei a ter nos gravadores de vídeo uns grandes aliados. Hoje em dia, se adormeço tarde, é porque ainda não comecei a amochar sobre o teclado do PC. A seu tempo, a coisa dar-se-á, presumo. Mas voltando à vaca-fria, dizia eu que não costumo ter dificuldades para adormecer. O meu sinal de alarme faz-se ouvir quando começo a acordar antes do despertador. Uma vez por outra, isto poderá ser aceitável, e até dar um certo jeito. Mas quando o fenómeno começa a repetir-se madrugada após madrugada e, sobretudo, quando me impede de descansar em condições - pois, sejam que horas forem, e tenha-me eu deitado cedo ou a desoras, a partir de determinada altura estes despertares nocturnos ou demasiado matinais são irreversíveis para aquela noite em concreto, ou seja, acordo e não volto a pregar olho -, eu sei que chegou o momento de tomar uma atitude. Tudo isto para dizer que as minhas capacidades preditivas atingiram provavelmente o seu auge. Sei hoje anticipar com uma precisão assustadora a altura em que o meu supracitado saco começará a carregar no indicador de "cheio" que, por sua vez, fará acender a luz vermelha. E por ter, ainda nem há um ano, passado um período em que deixei que às insónias nocturnas sucedesse a fase seguinte - vulgo destrambelhanço total - sei que o meu amor próprio não permitirá que volte tão cedo a deixar-me adoecer por coisas que não valem a minha preciosa saúde. Eu, os meus filhos, a nossa vida, o meu caminho (aquele que já escrevi e o que se encontra à minha frente por desbravar) - merecemos mais e melhor. Estou pronta a dar tudo num trabalho que me realize, que faça vir ao de cima o melhor de mim. Tenho muito para dar e só sei funcionar assim, com paixão. Compreendo (embora até hoje tenha dificuldade em aceitá-lo) que a maioria das tarefas não sejam compatíveis com a minha natureza. Mas acredito que, apesar de tudo, e por mais que me queiram fazer engolir conversas para boi dormir sobre a crise, a concorrência e o raio que os parta, há um lugar onde eu posso cumprir-me. Sem nós na garganta, sem apertos no estômago, sem noites mal dormidas que não sejam por febre criativa ou por fazer, como o meu querido Chico, "Samba e Amor até mais tarde". Fiquem, pois, com ele que eu vou ali e já venho.

4/06/2009

É só um sonho...

"Harry acenou a cabeça e suspirou. (...) Levantou-se, Dumbledore fez o mesmo e, durante muito tempo, olharam para o rosto um do outro.
- Diga-me só mais uma coisa - pediu Harry. - Isto é real? Ou tudo tem estado a acontecer na minha mente?
Dumbledore sorriu-lhe e a sua voz pareceu forte e audível, apesar da névoa intensa que estava de novo a abater-se, obscurecendo a sua figura.
- Claro que está a acontecer na tua mente, Harry. Mas por que razão há-de isso significar que não é real?"

in J. K. Rowling, "Harry Potter e os Talismãs da Morte"

Limpezas de primavera

Arrumar a minha casa vida...

4/02/2009

And the winner is...

O (i)número) (e) (in)contável 20000 entrou e saiu em silêncio. Mas a M(aravilhosa) Q(ue) P(artilha comigo o posto de cabra-recruta no curral mais movimentado da blogosfera) merece as alvíssaras (e perguntam-me vocês em que consistem as ditas, mas confesso que assim de repente ainda não pensei em nada) . O que é um número redondo vulgar como 20 mil ao pé de uma magnífica capicua como a que a Peixinha Taralhouca conseguiu ao ser a visitante nº 20002? Havia uma hipótese em 20002 (pronto, vá lá, em 22 ou 23) de ela ser a tal. Mas como ela é um bicho raro, que até muda de cor e tudo, perfez a façanha como se de uma brincadeira de crianças se tratasse. Por tudo isto e também porque há que ir publicando umas postas para entreter o pessoal, as alvíssaras vão direitinhas para ela.